A condenação de Donald Trump — Um dia de trevas para a política americana
Bráulia Ribeiro faz aquilo que a grande mídia não fará: expõe e analisa o conjunto de aberrações que levaram ao veredicto contra o ex-presidente americano
Saiu às quatro da tarde da última quinta-feira a decisão do júri no famigerado julgamento de Donald Trump em Manhattan. O ex-presidente e atual candidato do partido Republicano, anos-luz à frente de Biden nas pesquisas, foi considerado culpado em todas as 34 acusações listadas pelo promotor estadual Alvin Bragg. É o segundo julgamento no mesmo distrito que Trump perdeu nos últimos meses.
Entendendo o contexto
Em livro publicado em 2023, um professor emérito da escola de Direito de Harvard, Alan Dershowitz, previu que o Partido Democrata, do qual ele mesmo fez parte durante toda sua vida, estava usando o sistema de justiça para tirar Trump do páreo eleitoral. Foram 91 acusações criminais em duas cortes estaduais e dois distritos federais. O objetivo, como bem denunciou Dershowitz no título do livro, era Peguem o Trump!. Esse tipo de maracutaia jurídica para eliminar a oposição não existia na América até agora. Os políticos tinham a honra de vencer a oposição nas urnas. O governo Biden, que é o mais próximo que a América já chegou de um governo revolucionário, rompeu com 230 anos de acordo politico tácito de não usar as cortes da lei para guerra política.
Os quatro processos
São quatro os processos mais ambiciosos para prender o Homem Laranja. Dois em Manhattan, impetrados pela corte estadual de Nova York, onde estão sediadas as empresas de Trump. E dois federais, um na Geórgia, no distrito de Fulton, onde fica a cidade de Atlanta, e outro em Miami, onde fica a residência de Trump, Mar-o-Lago.
Antes dos julgamentos, a maioria dos analistas considerava os dois processos sediados em Nova York absurdos e desproporcionais, fora da lei até, mas sabiam que representavam um grande risco para Trump. O distrito de Lower Manhattan é quase que 100% democrata, e as chances de um júri imparcial eram nulas. Além disso, tantos os juízes do caso quanto os promotores tinham claramente motivos pessoais para se esforçar por uma condenação, mesmo fora da lei. Letitia James, a promotora do caso que multou Trump em quase meio bilhão de dólares por um crime de fraude imobiliária que não existe, nem lesou ninguém, tem aspirações políticas altas. Já se candidatou a governadora do estado. A condenação de Trump foi o cumprimento de uma promessa de campanha que fez aos eleitores de Lower Manhattan: a de que quando se elegesse promotora pública, iria atrás de Trump. A mesma promessa fez o promotor Alvin Bragg, que triunfou ontem garantindo a condenação em 34 das 34 acusações que fez contra Trump. O fato de que esses promotores tenham manifestado em público o seu intento de perseguir alguém já é eticamente condenável e até ilegal. “Mostra-me o homem que eu te mostro o crime” é uma estratégia de gente e governos de baixa estirpe moral. A América se orgulhava de sua superioridade ética. Ex-presidentes eram considerados intocáveis. Havia um respeito pelo serviço que prestaram ao país mesmo entre os partidos opostos. Trump teve razões de sobra para pedir a seu Departamento de Justiça que investigasse Hilary Clinton. Ela não só desencadeou uma investigação do FBI contra ele com dados falsos de uma suposta coalisão contra a Rússia, como apagou e-mails oficiais que incriminariam do tempo em que era secretária de estado. Os atos ilegais de madame Clinton mais do que justificariam uma campanha legal contra ela, mas Trump preferiu o caminho mais nobre e manteve o Departamento de Justiça longe dela. Infelizmente Biden não tem o mesmo caráter. Assim que Trump anunciou sua candidatura para 2024, Biden começou a mexer os pauzinhos para tirá-lo do páreo.
De que Trump foi acusado?
Se alguém pensa que houve algum crime, pense de novo. O absurdo é exatamente esse: nenhum crime foi apontado no julgamento de ontem. Alvin Bragg, desde que primeiro momento em que apresentou o caso, não especificou qual seria o crime. O estado de Nova York permite que o promotor apresente o caso em termos gerais sem especificar o crime.
O caso todo se refere a um pagamento feito pelo então advogado de Donald Trump, Michael Cohen, contratado pelo magnata para lidar com o mercado imobiliário da cidade de Nova York, a uma atriz pornô que ameaçou ir a público sobre um caso de uma noite que diz ter tido com ele. Cohen fez o pagamento de 130 mil dólares. Acontece que esse tipo de acordo entre indivíduos, ou entre empresas e indivíduos, chamado de NDA (Non-Disclosure Agreement) não é ilegal. Trump reembolsou Cohen com um cheque seu, e seu contador registrou a despesa no livro contábil como sendo despesa legal. O que na verdade está certo. Ele pagou para estabelecer um acordo legal com a moçoila. Acontece que, para Alvin Bragg, o promotor com sede de sangue do Trump, isso foi uma notificação fraudulenta, o dinheiro teria que ser contabilizado como despesa de campanha. O estranho é que o registro foi feito em 2017, depois da campanha, quando Trump já exercia a Presidência. O caso teria tido algum mérito se o promotor tivesse como provar que houve fraude intencional — ou seja, que o único objetivo de Trump ao pagar Stormy Daniels, a virtuosa rapariga que o extorquia, fosse “fraudar” as eleições ou seja manipular o público ao limpar sua reputação, e não houvesse outra intenção. Acontece que é impossível de se provar uma coisa dessas. Trump já era casado com Melania na ocasião, e havia deixado claro para o advogado que não queria que casos assim perturbassem a sua paz conjugal. O suposto encontro de uma noite teria acontecido em 2006, meses depois de Melania ter dado à luz a Baron Trump. Stormy começou a extorquir Trump em 2016, quando o pagamento foi feito por Cohen, com dinheiro de seu próprio bolso. Ainda durante a campanha de 2016, o caso de Trump com a tempestuosa atriz veio à tona. O eleitor não se importou e votou assim mesmo no Homem Laranja. Em 2018, Trump reembolsou Cohen pela despesa, e foi então que a anotação supostamente “fraudulenta” foi feita. É bom notar que:
— Pagar pelo silêncio de detratores, ou mulheres como Stormy Daniels não é crime. Políticos, milionários, atores e empresas fazem isso o tempo todo.
— Fazer despesas legais não é crime. Pagamentos para advogados são oficialmente despesas legais.
— Para provar que houve fraude, o governo precisaria de evidencias concretas de que Trump ordenou que o pagamento fosse contabilizado debaixo do rótulo de “despesa legal” ao invés de “despesa de campanha” com a intenção de enganar o estado.
É bom que o leitor saiba — e sei que isso a Globo não vai te dizer — que essa diferença na notação da despesa não afetou impostos pagos ao estado, e não causou danos nem benefícios a ninguém. O único possível “dolo” seria a falta de transparência dos livros contábeis. Qual é o crime, então? O governo federal não achou. Antes de Bragg, o procurador Jack Smith foi atrás dos mesmos livros para ver se achava um crime federal. Considerou que não existiam dados suficientes para sustentar um caso legal sólido para que o estado processasse Trump.
Foi aí que Alvin Bragg, promotor do estado de NY e não do governo federal, resolveu aproveitar-se de uma mudança na legislação do estado à respeito dos prazos legais para processos do tipo — mudança feita talvez sob medida para ele — e trouxe o caso ao público, mesmo sabendo de sua fragilidade. Bragg se uniu ao juiz Juan Merchan, um democrata de carteirinha, cuja filha comanda uma ONG que arrecada dinheiro para a campanha de Biden. Em qualquer outro momento da história, esse juiz teria sido obrigado a se considerar parcial e se declarar impedido de julgar o caso. Mas não na América de hoje. Merchan liderou o tribunal com mão de ferro contra a defesa. Desde a primeira semana, colocou Trump debaixo de uma ordem judicial de silêncio, impedindo-o de relatar aos eleitores o seu parecer a respeito do que acontecia na corte. Exigiu que Trump comparecesse ao tribunal durante quatro dias da semana por cinco semanas, fazendo com que ele perdesse tempo precioso de campanha. Merchan também puniu a única testemunha chamada pela defesa de Trump, acusando-o na frente dos jurados de desrespeito à corte. As testemunhas da acusação eram pessoas de baixo calibre. Os mais importantes foram um editor de um tablóide, David Pecker, que testemunhou sobre um acordo feito com Trump para “pescar e matar” notícias negativas contra ele. De novo, até aí nenhum problema. Esse tipo de acordo é comum entre tabloides e celebridades. A atriz pornô também foi chamada, apesar de seu depoimento não ter nada a ver com o mérito legal do caso. O depoimento só serviu para criar um clima de desabono generalizado sobre o caráter do ex-presidente. Além disso, ninguém acreditou no que ela disse. O comediante Bill Maher, democrata, no dia seguinte pôs no ar uma entrevista antiga que havia feito com Stormy em 2016 em que ela contava o caso de maneira bem diferente. A última testemunha de acusação, e a que carregava o maior peso legal para construir o caso, foi o próprio ex-advogado de Trump, Michael Cohen. O depoimento de Cohen — um mentiroso profissional, condenado por fraudes — também não convenceu ninguém. O homem transpira ódio e inveja do ex-patrão.
Qualquer um que ouvisse os detalhes do caso sem contar com o transtorno psicopatológico dos democratas contra o ex-presidente diria que não seria possível extrair nada legal e justo do circo jurídico montado pela corte de Manhattan. Infelizmente, para surpresa de ninguém que conhece os democratas (primos-irmãos de nossos petistas) a condenação legal foi a decisão final do júri. Foram 34 especificações de fraude — todas elas se referindo à fraude eleitoral sobre as quais a corte estadual presidida por Merchan não teria foro jurídico para fazer nada. A revista National Review — que, apesar de conservadora, se posicionou contra Trump desde sua primeira campanha — publicou um editorial hoje chamando o veredicto de “horrendo”. E é assim mesmo. O caso é uma aberração jurídica, um Frankenstein montado de pedaços mortos de lei e fatos fabricados.
O clima é de desalento e perplexidade entre as pessoas sérias que amam o país, o estado de direito e a democracia. Trump fez um pronunciamento no lobby lotado da Trump Tower, enquanto milhares de eleitores se acotovelavam na Quinta Avenida, na frente do prédio, para demonstrar seu apoio. No discurso, Trump disse que não se sente bem com o que aconteceu, mas que “se alguém tem que passar por isso para expor a podridão da qual são capazes os democratas”, ele enfrenta o que vier.
Está aberta a temporada de caça aos inimigos do regime na América. Se um bilionário, ex-presidente, candidato à frente nas pesquisas eleitorais, não escapou da espada dos democratas, cuidado: você, simples cidadão, também não vai escapar.
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