REDES SOCIAIS

A Globo não sabe o que é um meme

Brás Oscar · 31 de Julho de 2024 às 09:20 ·

Brás Oscar faz o que os jornalistas da grande mídia jamais conseguiriam fazer: explica as origens do conceito de meme e o seu papel como legítimo instrumento de protesto político

Todo mundo viu os memes com o ministro da Fazenda, Fernando Haddad. Uma enxurrada de piadas que viraram até assunto internacional, com direita a exibição num telão de publicidade em Nova York. A maior parte dos memes consiste em trocadilhos com referências da cultura pop, como nomes de filmes, músicos ou personagens, e palavras como taxa, tributo, imposto etc., acompanhadas de montagens com o rosto do ministro.

Ninguém com alguns neurônios sadios duvida que o fenômeno é uma clara manifestação de descontentamento popular com a alta taxação e a política tributária conduzida pelo governo de Luiz Inácio Lula da Silva, já que, ao povo, de mãos atadas pela ditadura do judiciário, não sobra muito mais o que fazer, exceto piada com a própria tragédia.

Mas tente ao sorte e vá explicar isso ao jornas mediano global, que lá da sua bolha descolada da realidade acredita ser o cronista de um país que — só ele não entendeu ainda — já acabou lá em 2013.

Pra não morrer de fome ou definhar na vala do esquecimento, o que restou à velha mídia foi o decadente papel de assessoria de imprensa do Partido e, assim, continuar gozando tanto do privilégio de manter-se como “imprensa profissional” quanto com a nossa cara.

Sem apresentar meia evidência, esses veículos afirmaram que os memes são produzidos por profissionais com a intenção deliberada de prejudicar a imagem do governo. Como se fosse necessário algum agente externo para avacalhar com a imagem do PT. É como diz um outro meme: “Eu não preciso de ninguém pra fazer merda comigo. Eu sozinho boto minha vida em perigo”.

O cartel garantidor de reserva de mercado na comunicação, também conhecido como agências de fact check, adora usar a expressão “assunto amplamente sabido como verdadeiro” para alegar que suas narrativas apócrifas são supostamente verdade e ponto. Ninguém precisa provar nada, e quem não sabe é burro.

Como dizia o Analista de Bagé, apócrifo é nada mais que uma mentira bem-educada. Explico isso porque precisarei apelar ao argumento do “assunto amplamente sabido como verdadeiro”, mas é que nesse caso é mesmo, e quem não sabe é burro: memes surgem de forma espontânea nas redes sociais, não possuem autores, não têm logomarca de agência de comunicação social, são criados por pessoas comuns, tiozões do pavê, tias do zap, desocupados do Twitter e adolescentes ociosos em fóruns de nerdolas e incels.

 

A origem e o conceito dos memes

O termo meme é bem anterior à internet e não tem qualquer relação com informática. Ele foi cunhado pelo biólogo evolutivo Richard Dawkins em seu livro O Gene Egoísta, de 1976. Dawkins inventou essa palavra para descrever como uma ideia, comportamento ou estilo se espalha de pessoa para pessoa dentro de uma cultura de maneira natural, assim como características físicas e biológicas são passadas de um indivíduo para seus descendentes.

Fazendo um paralelo com a genética, Dawkins propôs que assim como existe uma unidade mínima de informação genética, que é o gene, deveria existir uma unidade mínima, porém abstrata, para a memória.

Genética — gene; memória — meme. Essa é lógica da composição do neologismo.

Essa unidade mínima de informação de memória, teoricamente, seria capaz de se ligar a outras, sendo responsável por um processo de cognição de signos, referências, lembranças, sensações e tudo mais que o cérebro guarda na memória.

Em algum momento entre os anos 1990 e início dos 2000, usuários de redes sociais e fóruns como o Reddit passaram a usar o termo de Dawkins como uma analogia para piadas curtas, frases feitas, bordões, trechos de músicas, imagens, GIFs, etc., que eram utilizados para transmitir uma mensagem de forma rápida e eficaz, de maneira viral, evocando um subtexto bem maior ou uma série de referências mais amplas, a partir de um conjunto diminuto de palavras e/ou elementos gráficos, porém com a necessidade do contexto necessário como chave de leitura ou compreensão do meme.

 

Humor como instrumento de protesto político

O uso do humor como forma de protesto político não é novidade. Romanos antigos escreviam desaforos em paredes de taberneiros que serviam vinho ruim, portugueses medievais compunham cantigas de escárnio com um repertório de excelentes palavrões para ofender um rival político ou um vizinho malquisto.

O humor sempre foi uma ferramenta poderosas para criticar governos e figuras públicas, como em agosto de 1925, há exatos 99 anos, quando a finada Revista Careta — perseguida por Hermes da Fonseca e depois por Vargas — exibia na sua capa uma charge escancarando o acordo de bastidores da política nacional entre as elites paulistas e mineiras que ficou conhecido como “política do café com leite”.

 

Revista Careta, agosto de 1925

Na era digital, os memes potencializaram essa tradição, permitindo que qualquer pessoa com acesso à internet possa participar do discurso político, o que geralmente não agrada muito governos com impulsos totalitários e jornalistas que ainda acreditam que são os tabeliões do Ministério da Verdade.

O meme consegue simplificar questões complexas, tornando-as acessíveis e compreensíveis para um público mais amplo. O meme é a verdadeira arma da democracia no sentido vulgar dessa palavra que o PT, a Globo, a Suprema Corte e todo palerma isentão adora usar a direito de ridicularizar figurões e políticos, expor suas contradições e escândalos e mobilizar a opinião pública de maneira não-violenta e eficaz.

Os memes com o Taxad, digo, Haddad são mais do que simples piadas; são uma forma legítima de protesto e expressão pública. A reação da grande mídia revela um desconforto com a liberdade de expressão e uma tentativa de controlar a narrativa pública, obviamente, mas serve também prova uma verdade não tão amplamente sabida:

É plenamente possível que indivíduos falem coisas estúpidas e absurdas tanto por malícia e quanto por burrice, simultaneamente.

— Brás Oscar é escritor, jornalista e apresentador do BSM. Autor dos livros O Mínimo sobre a Queda da Europa e O Mínimo sobre Café.

 


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