ALTA CULTURA

Manhã de música de câmara homenageia o violoncelista Antonio Meneses

Paulo Briguet · 17 de Agosto de 2024 às 17:52 ·

Quarteto da Orquestra Sinfônica da UEL interpreta obras de Borodin e Dvořák no Teatro Ouro Verde em Londrina. Violista Jairo Chaves fala sobre o espetáculo e a homenagem

A Orquestra Sinfônica da Universidade Estadual de Londrina (OSUEL) convida o público para uma manhã de domingo ao som de melodias encantadoras no Cine Teatro Ouro Verde. O evento, parte da série Música de Câmara da OSUEL, será realizado amanhã, 18 de agosto, às 10h30, e contará com a participação dos músicos Nildo Baía e Afonso Barros nos violinos, Jairo Chaves na viola, e Fernanda Monteiro no violoncelo. Neste concerto, serão apresentadas duas peças emblemáticas que atravessam continentes e épocas: o Quarteto de Cordas nº 2 em Ré Maior, de Aleksandr Borodin, e o Quarteto de Cordas nº 12 em Fá Maior, Op. 96, conhecido como “Americano”, de Antonín Dvořák.

Embora o concerto já estivesse agendado há muitos meses, acabou se tornando uma homenagem ao violoncelista brasileiro Antonio Meneses, falecido no último dia 3 de agosto, aos 66 anos, na Basileia (Suíça), onde morava com família. Nascido em 1957, no Recife, Antonio Meneses construiu uma carreira brilhante, sendo reconhecido como um dos maiores instrumentistas de sua geração.

De acordo com o maestro Rossini Parucci, Diretor Artístico e Regente Titular da OSUEL, “a música de câmara, especialmente os quartetos de cordas, ocupa um lugar central na tradição da música de concerto, oferecendo uma forma íntima de expressão musical que revela a essência da interação e comunicação entre poucos instrumentistas. Essa configuração permite a cada músico destacar-se não apenas como parte de um todo, mas também como solista, criando uma experiência rica e detalhada tanto para os executantes quanto para o público”.

A seguir, leia os principais trechos que o violista Jairo Chaves concedeu ao BSM:


Paulo Briguet: Como você se preparou para a interpretação do Quarteto de Cordas nº 2 em Ré Maior de Borodin e do Quarteto de Cordas nº 12 em Fá Maior de Dvořák? Existem desafios específicos que você enfrentou ao tocar essas peças?

Jairo Chaves: Assim que soubemos que iríamos fazer esse concerto de música de câmara, a primeira coisa a fazer foi colocar a nossa técnica em dia. Como eu já vinha de um concerto solo com o maestro Fábio Mechetti, essa parte dessa preparação já tinha sido resolvida. Não quero tirar os méritos de tocar em uma orquestra, óbvio, mas para você fazer um solo ou tocar em um grupo de câmera como um quarteto, a exigência é bem maior, pois somos os protagonistas do espetáculo e as atenções se voltam sempre para o solista. Depois da parte técnica, procuramos estudar sobre a vida de cada compositor, os motivos aos quais a obra foi inspirada, o contexto da época, a quem ele dedicou. Dessa forma, podemos trabalhar a parte interpretativa da obra, como questão de vibrato, de tempo, ataques de arco. Por exemplo, Borodin faz a obra dedicada à sua esposa. Nesse caso, a forma ao tocar difere de um Shostakovich, que se extrai um som mais agressivo, mais rude. Estou me referindo ao mais famoso quarteto de cordas dele. Feito isso, individualmente cada músico prepara seu texto e juntamos o grupo. Nos primeiros ensaios trabalhamos a parte de afinação, ligaduras de arco, dinâmicas. Já no final, lá no Teatro Ouro Verde, trabalhamos a questão da sonoridade do grupo. Em uma sala, por exemplo, a sonoridade é uma coisa, e no Teatro Ouro Verde é outra, totalmente diferente. A acústica do Teatro Ouro Verde é muito seca. As peças são muito bem escritas, tanto Borodin como Dvořák conheciam magistralmente todos os detalhes técnicos de cada instrumento. Então, são dois compositores que sabem extrair o melhor de um quarteto de cordas.


Paulo Briguet: Você pode compartilhar alguma experiência ou anedota interessante relacionada à sua atuação como violista, especialmente em performances de música de câmara?

Eu tive o meu primeiro contato com música de câmara foi na década de 80, eu ainda estava com 13 para 14 anos, nos festivais de música de Teresópolis, lá no estado do Rio de Janeiro. Fui escalado para fazer um quinteto de Schumann com piano, e até então eu só tinha tocado em orquestra. E na orquestra o papel da viola, dependendo do período, é um papel só de acompanhamento, é secundário, ele vai preenchendo a harmonia. Ao me deparar com o quinteto, eu vi a responsabilidade que aquela formação musical me exigia. Solos em todo momento, não tinha nem como respirar. A exigência de encarar uma plateia com quarteto, com quinteto, é um desafio. Essas experiências foram muito importantes na minha formação musical, no meu apuramento técnico e no meu amadurecimento como intérprete.

Paulo Briguet: Como você e os outros músicos do concerto se prepararam em conjunto para garantir uma performance coesa e harmoniosa dessas duas obras?

Jairo Chaves: A preparação começa nos bastidores, troca de cordas, troca de crina, de arcos. Eu, por exemplo, ao revisar minha viola, vi que ela estava descolada em um ponto. Resolvido o problema, a gente se juntou ali por duas semanas em ensaios que foram das oito ao meio-dia, e à tarde a gente tinha os estudos individuais. Então já são 45 anos diários de dedicação exclusiva, e mesmo assim falta muito ainda. O músico nunca se deve contentar. Se o músico se contentou, como a gente sempre fala, é ladeira abaixo.

Paulo Briguet: O concerto deste domingo acabou se tornando uma grande homenagem ao violoncelista Antônio Meneses, falecido recentemente. Você o conheceu? Qual é a importância de Meneses para a música clássica e para o Brasil?

Jairo Chaves: Em 1982, eu estava assistindo televisão, já tocava violino, tinha 13 anos, e havia um programa de auditório apresentado pelo Flávio Cavalcanti. Havia um quadro no programa que se chamava Os Destaques no Brasil e no Mundo. Ali o Flávio Cavalcanti chamava as pessoas que se destacavam. E uma delas foi o Antônio Meneses! Ele devia ter uns 24, 23 anos por aí, e ganhou o concurso Tchaikovsky em Moscou, um dos concursos mais importantes do mundo, se não o mais importante. Três anos depois, fui para Campos do Jordão. Em Campos do Jordão, ele tocou o concerto de Dvořák para violoncelo. Eu sentado ali na primeira fila, vendo-o tocar aquela peça, foi muito emocionante. Passaram-se alguns anos, aí eu encontrei de novo com ele na orquestra do Mercosul. Tocamos o concerto Dvořák também, eu já estava na orquestra acompanhando. A gente excursionou pela América Latina com ele. Um fato interessante é que a gente estava no avião e geralmente são duas passagens, uma para ele e uma para o cello. E aí os executivos entravam no avião e tiravam um sarro dele. Falei: cara, uma poltrona com um instrumento musical! Ele era meio bravo, ficava discutindo com os caras por causa disso, mas era interessante isso aí. Depois ele veio para Londrina, assisti a dois concertos dele aqui em Londrina no Festival de Música. Depois, com a Filarmônica de Goiás, a gente excursou por algumas cidades brasileiras, aí ele tocava o concerto do Elgar, que ficou famoso com a Jaqueline Du Pré. Foi essa a experiência que eu tive com o Antônio Menezes. Que saudade! Ele era um cara muito exigente, não era de brincadeira. Na hora que ele ficava no palco, assim, você via que a coisa era muito séria. Essa seriedade dele influenciou muitos músicos que iam ter aula com ele pensando que ia ser um oba-oba. Ele falava que a vida do músico não é um oba-oba, é algo muito sério. Ele colocou isso na cabeça de muitos músicos que tocam bem hoje: esse compromisso, essa seriedade com a música.

Antonio Meneses e Jairo Chaves

 

Serviço:
Concerto da Orquestra Sinfônica da UEL – Música de Câmara
• Data: 18 de agosto, domingo
• Horário: 10h30
• Local: Teatro Ouro Verde, em Londrina
• Ingressos: pagtickets.com.br ou na loja Mundomax – Unidade Sonkey

 


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