Martírio e glória dos santos inocentes
Há mais coisas entre o céu e a terra do que supunha Descartes. Uma delas é o grande cemitério das crianças não nascidas. Para onde elas vão?
Como falar de realidade que nós não podemos ver? Longe do que propõe o dualismo cartesiano, que tanto mal provocou para a fé cristã, principalmente na questão da transubstanciação, há mais coisas entre o Céu e a Terra do que supunha Descartes. Uma dessas coisas, é preciso sempre dizer, é o fenômeno dos grandes cemitérios de crianças não nascidas. Um fenômeno que deixou tantos e tantos Anjos da Guarda sem ter quem guardar.
Imaginem a cena...
Há um grandioso brilho de uma constelação. De repente, uma estrela brilha dizendo:
— Senhor, hoje é o dia.
— Oh! É mesmo. O que foi, meu filho?
— Senhor, eu pensei que hoje ganharia minhas asas, que fosse finalmente designado ao trabalho para o qual me criou, mas meu coração está quebrado. Tudo em mim dói. Eu não consigo parar de chorar, como a Minha Senhora.
— Eu sei, meu filho. Meu coração também está quebrado. Mas eu farei algo. Não deixarei que a morte vença, nunca deixarei. Não, as portas do céu triunfaram. Eu já disse isso a eles!
É então que a cena muda. Estamos num hospital, mas poderia muito bem ser um frigorífico. Há um monitor de ultrassom. Algo se move no fundo escuro. Existem duas pernas. Será que é um emaranhado de algo? Uma forma parece ser mais arredondada, talvez seja uma cabeça. Sim! Agora podemos ver. É uma pessoa. Uma criança... Ela está tentando fugir de alguma coisa. Mas do quê? Ela está no lugar mais seguro do mundo, o ventre de uma mãe. Não há o que temer. Mas ela está agitada, sabe que há algo errado pois aqui é seu lugar de calmaria, de falar com mamãe, de prepará-la para sua chegada. É então que algo claro aparece no monitor. É um objeto fino, pontiagudo e comprido. A criança se desespera, tenta se mover ainda mais, mas há pouco espaço. Ela está encurralada. É então que o objeto começa a pressionar sua pele, no peito e então o perfura. Não há mais tempo. Uma solução salina acabou de entrar em suas veias e ele grita:
— Mamãe!
É então que tudo fica escuro e ouvimos uma voz:
— A gestação foi interrompida com sucesso. O feto será expelido em poucas horas.
...
— Veja, Senhor! O que fizeram? Não há razão para meu existir. Eles a ceifaram.
Então ele sente uma enorme pressão. É um abraço. E no meio do abraço lágrimas escorrem. Não há outro lugar em que ele gostaria de estar senão ali.
— Venha, meu filho. Vamos até os portões. Pedro, o que vês?
— O Sol, Senhor. Ele está irado. Eu o ouço daqui. Ele não quer mais brilhar. E as nuvens, as águas. Tudo se agita, Senhor. Há uma tormenta. Eu pude ouvir claramente o sol desejando cair sobre a terra, o ar se negava há pouco em oferecer seu sopro para eles. A água os ameaça engolir e só estão se segurando pela aliança que o Senhor estabeleceu. Mas, veja, Senhor. Aí vem.
É então que ele sente um toque no ombro e ouve:
— Pedro, deixe-A se aproximar.
Surpreso, como se já houvesse esquecido, Pedro olha para o horizonte espantado e se vira para trás. Um pranto irrompe de seu peito.
— Minha Senhora!
Tudo para. Há alguém olhando para baixo. As nuvens formam uma enorme tapeçaria onde criança nenhuma pode tocar. Não! Elas não permitiriam.
— Não vocês! — elas dizem. — Vocês não tocaram seus pés no chão, não deixaremos que nos toquem. Há leveza em vocês. Ela vos espera.
O anjo olha mais uma vez para uma grande multidão que se forma em volta dos portões. Ele distingue duas figuras ali, também em prantos. São Gianna Beretta Mola e Chiara Corbella Petrillo. Elas também são mães, ele se lembra. Morreram para que seus filhos pudessem viver. E então ele vê, há um sinal no calcanhar de sua Senhora. Será essa a ferida? Será essa a ferida predita na Queda do homem?
Uma luz intensa começa a permitir que eles a vejam. É a Senhora. A Augusta do Céu, é Ela quem está ajoelhada nos portões do Paraíso de braços abertos enquanto suspira, suspira por cada segundo em que eles demoram a chegar. O sol se acalma, as nuvens começam a mudar, os ventos param... Há apenas um brilho abaixo do céu, o brilho da luz do sol nas lágrimas daquela que tanto chora. Sim! Ela ouviu. Sim! A Santa Mãe de Deus ouviu aquele chamado...
— Mamãe!
E então ele vê! Há milhares deles, carregados por nuvens e envoltos numa intensa luz. São eles, os pequenos santos inocentes indo aos braços da Divina Mãe.
— Lucas Fófano é professor de filosofia, editor literário e colaborador do BSM.
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