Vigiar, perseguir e punir — O plano em andamento para criminalizar a direita
Brás Oscar analisa o processo de criminalização dos conservadores iniciado pelo governo alemão: não se trata de um mero escândalo no jornalismo e no governo, mas de um projeto político global para eliminar qualquer pessoa classificada como “extremista de direita”. E tudo começou a partir de uma obscura reportagem publicada por um site ligado ao Intercept
Em janeiro a Alemanha foi palco de manifestações populares contra partidos e grupos acusados de pertencerem à extrema-direita. Pessoas saíram as ruas do país todo protestando contra o extremismo na política, impulsionados por um bombardeio de matérias dos principais jornais denunciando uma suposta conspiração racista envolvendo o partido AfD – Alternativa para a Alemanha (Alternative für Deutschland) e influenciadores acusados de serem neonazistas que, juntos, teriam organizado uma reunião secreta para discutir deportações em massa de imigrantes ilegais.
A ministra do Interior, Nancy Faeser, utilizou os protestos, que também foram alvo de superexposição na mídia, e afirmou que a situação se tratava de “um incentivo e um mandato” do povo para o governo agir politicamente; o que de pronto foi feito por seu gabinete, que anunciou um pacote de medidas legais destinadas a “combater o extremismo de direita”.
Uma parte muito mal explicada até o momento é que o diferencia exatamente a categoria “extrema-direita” da categoria “qualquer discurso ou pensamento político que não concorde com o progressismo”.
Num golpe mortal para sufocar qualquer oposição, o governo alemão será o primeiro país ocidental a ter uma lei que criminaliza todo um espectro político com base em opiniões que podem levar a “possíveis crimes futuros”.
Parte I – Tudo começa com os protestos dos agricultores
Os protestos dos agricultores em diversos países europeus foram, até metade de fevereiro, uma pedra no sapato dos políticos da UE, com destaque para a concentração de mais de 1.300 tratores em Bruxelas, Bélgica, em 1º de fevereiro.
Um dos pontos de contestação dos agricultores referia-se ao acordo Mercosul-UE.
O primeiro-ministro irlandês, Leo Varadkar, ao chegar ao Conselho Europeu extraordinário alertou que o acordo não poderia ser ratificado na sua forma atual, ecoando as recentes declarações do presidente francês, Emmanuel Macron, que considerou as condições do acordo comercial com os países do Mercosul inaceitáveis.
A França quer a inclusão das chamadas "cláusulas espelho" no pacto para exigir que as quotas provenientes dos sul-americanos cheguem ao mercado europeu em paridade com as regras sanitárias, ambientais e sociais impostas aos produtores europeus.
Protestos semelhantes ocorrem desde o ano passado na Alemanha, França, Holanda, Bélgica e Itália.
Mas o ponto principal é que as manifestações em Bruxelas denunciam os mesmos problemas que as anteriores em outros países do Bloco: os altos custos que os agricultores enfrentam para cumprir a agenda climática dos progressistas, tornando a pequena e a média propriedade rural insustentável financeiramente.
O primeiro-ministro belga, Alexander de Croo, considerou as reivindicações dos agricultores como “parcialmente legítimas” e discursou sobre a necessidade de garantir que esses parceiros “recebam preços justos pelos produtos de qualidade que produzem e que a carga burocrática seja suportável”, em um aceno aos principais pedidos dos agricultores, porém sem se comprometer objetivamente de forma alguma com os pedidos.
Na França, os agricultores exigem a aplicação total da lei EGAlim de 2021, que visa a proteger a remuneração no campo. Com uma idade média acima dos 50 anos, os agricultores franceses protestam contra os encargos financeiros e as normas ambientais europeias consideradas excessivas.
A presidente do Banco Europeu de Investimento, Nadia Calviño, numa entrevista à rádio espanhola RNE, insistiu num discurso escorregadio, dizendo que a Europa está em transição para uma economia mais sustentável e eficiente, mas que deve garantir ao mesmo tempo que os agricultores sejam “protagonistas dessa transição”, dada a importância do setor agroalimentar para o abastecimento alimentar.
Numa tentativa de dar uma esmola aos fazendeiros e abafar os protestos que, para a inconveniência dos governos de esquerda ocorreram a poucos meses das eleições de junho para o parlamento europeu, a Comissão Europeia propôs adiar por um ano a obrigação dos agricultores reservarem parte das terras agrícolas em pousio para receberem parte do apoio de um programa de benefícios e incentivos estatais chamado PAC (Política Agrícola Comum).
A expectativa, principalmente após os protestos organizados por fazendeiros e que alcançou pessoas de todo o interior da Europa, geralmente de perfil mais avesso às políticas progressistas, é que os partidos da nova direita que surgem no continente façam seus melhores resultados nas votações para o parlamento europeu em toda a história.
Um parlamento europeu menos esquerdista, menos progressista e com menos representantes de uma velha “direita permitida” acendeu o alerta dos donos do poder.
Parte II – Mais protestos, agora contra a “extrema-direita”
Muito convenientemente, como que para compensar a inconveniência dos protestos dos agricultores, eis que surge em meio à confusão de tratores e fazendeiros uma denúncia da mídia alemã alegando a existência de uma trama do mal organizada por políticos da AfD e outros indivíduos catalogados como extremistas de direita.
O sabá das bruxas direitistas teria consistido em uma reunião numa vila a beira de um lago em Potsdam para debaterem sobre “remigração”, isto é, a deportação de pessoas com origem étnica não alemã, incluindo aqueles que já fossem cidadãos alemães.
Um portal de notícias chamado Correctiv criou uma reportagem denunciando que, supostamente em novembro passado, cerca de 20 pessoas participaram da tal reunião secreta, incluindo figuras importantes do partido AfD, como Roland Hartwig, uma pessoa próxima da líder do partido, Alice Weidel.
Ainda segundo o portal Correctiv, “neonazistas de toda a Alemanha e Áustria e um membro do grupo supremacista branco “Generation Identity” compareceram à reunião.
Vamos abrir um parênteses aqui para entender o que é o portal Correctiv e quem são as pessoas ligadas a ele.
O Correctiv é um site alemão administrado por uma instituição sem fins lucrativos e que declara fazer jornalismo investigativo. Sua sede fica na cidade de Essen e seu editor-chefe é o jornalista David Schraven.
Fundado em 2014, sua redação possui 20 funcionários que publicam reportagens em alemão, árabe, inglês, francês, russo e turco.
Como não tem fins lucrativos, o Correctiv vive de doações. Sua última declaração financeira pública mostra apenas as doações recebidas até 2021 (a de 2022 era para ter sido publicada entre setembro e dezembro de 2023, mas até agora não foi disponibilizada).
Na lista de doadores aparecem figurinhas carimbadas, como a Open Society Foundations, ligada ao magnata globalista George Soros, colaborando com pouco mais de 70 mil Euros ao ano.
A Fundação Schöpflin, segunda maior doadora, com a soma de 263 mil Euros ao ano, tem um projeto declarado de financiar mídias sem fim lucrativos para “fortalecer a democracia”, entretanto, todas as suas associações são com veículos de viés progressista, como a Wikimedia Deutschland, um ramo alemão da Wikimedia Foundation, a organização dona do site Wikipédia.
Mas o principal mantenedor do Correctiv é a Omidyar Network Foundation, a fundação filantrópica do bilionário Pierre Omidyar, um americano de origem iraniana famoso por ser o fundador do Ebay, que investe mais de 414 mil Euros por ano no site de notícias alemão.
Omidyar é um esquerdista atuante nos bastidores da política americana, sendo um grande doador do Partido Democrata. Ele é também o criador e financiador do portal de notícias Intercept, conhecido no Brasil pela atuação do jornalista americano Glen Greenwald como porta-voz da tese de que Dilma sofreu um golpe e também por sua árdua atuação para tirar Lula da prisão através de reportagens com vazamentos de dados que fragilizavam o processo que condenou o ex-presidiário e atual ocupante da Presidência do Brasil.
A fundação de Omidyar também uma das maiores doadoras da Wikimedia, dona da Wikipédia. Através da Omidyar Network ele doou 2 milhões de dólares para a Fundação Wikimedia, em 2009 e com isso conseguiu que Matt Halprin, um dos seus homens de confiança da Omidyar Network fosse nomeado para o conselho de administração da Wikimedia.
A importância desse parêntese é mostrar uma relação absurdamente suspeita e pouco transparente sobre controle da informação e fabricação de narrativas.
O Correctiv é a única coisa que sustenta a existência de uma reunião dos “extremistas e nazistas” narrada com riquezas de detalhes. Não há mais nada, exceto um turbilhão de notícias retroalimentadas por toda a grande mídia. A substancialidade do fato é apenas uma reportagem que alega ter conseguido reconstituir toda a reunião com base em:
- Uma cópia digital de um convite da reunião
- Fotos de políticos entrando e saindo de um hotel
Tudo o que foi “falado” na reunião e está na reportagem do Correctiv é baseado em “relatos de fontes anônimas”.
Após dias de bombardeios midiáticos sobre o assunto e de campanhas lideradas por personalidades abertamente progressistas, o povo, como gado, esqueceu os protestos dos agricultores e aderiu a nova comoção geral da nação: a volta dos nazistas!
E, para consolidar a grande máquina de factóides, a Wikipédia, tida como cartório da verdade pelo cidadão médio, já transformou a suposta reunião em fato histórico, registrando “2023 Potsdam far-right meeting” como um verbete já disponível em inglês, alemão e espanhol, tendo como origem do artigo a própria Wikipedia e citando como fonte suficiente para cobrir todo o texto praticamente apenas a reportagem do Correctiv.
Isso não é apenas um escândalo público sobre ética no jornalismo e na política, mas parte de algo muito maior: um projeto político muito bem elaborado para aumentar o poder do estado de vigiar, perseguir e punir qualquer pessoa que seja classificada pelo governo alemão como “extremista de direita” – um termo vazio e inespecífico – garantindo a perpetuação no poder apenas de grupos com ideias e opiniões semelhantes, e que, paradoxalmente, sob protestos de defender a democracia dos extremistas, é uma das medidas mais extremistas e totalitárias que um governo pode adotar.
Parte III – Caçar a direita é política de estado
Usando os protestos gerados pela reportagem extremamente suspeita do Correctiv, o governo alemão está decidido a transformar a perseguição política à direita em políticas públicas.
Não será mais preciso usar a canetada de tribunais para perseguir e condenar caso a caso com base em malabarismos jurídicos criando teses de direito comparado. O projeto, encabeçado pelo Ministério do Interior, simplesmente criará uma lei que obriga o estado alemão a perseguir e punir qualquer pessoa associada a qualquer movimento político que seja tachado como “de extrema-direita”.
Aqui está a tradução do pronunciamento feito no site oficial do governo da Alemanha pela ministra do Interior, Nancy Faeser:
"Queremos usar todos os instrumentos do Estado de Direito para proteger nossa democracia. Queremos desmantelar as redes extremistas de direita, privá-las dos seus rendimentos e tirar as suas armas.
O fato de tantas pessoas estarem a mostrar a sua cara contra o ódio e a favor da democracia neste momento é simultaneamente um encorajamento e uma missão. Trata-se de defender nossa sociedade aberta contra seus inimigos. O cerne da nossa estratégia mantém-se: a prevenção e a dureza. Temos de fazer tudo o que estiver ao nosso alcance para evitar que esta ideologia desumana devore ainda mais a nossa sociedade.
Devemos tratar as redes extremistas de direita da mesma forma que os grupos do crime organizado. Aqueles que zombam do Estado devem ter que lidar com um Estado forte. Isso significa que toda violação da lei deve ser punida de forma consistente. Isso pode ser feito não apenas pela polícia, mas também por autoridades reguladoras. Para o efeito, o Gabinete Federal para a Protecção da Constituição está intensificando a sua cooperação com as autoridades locais responsáveis. Virar todas as pedras quando se trata de extremistas de direita – essa deve ser a abordagem."
O pacote de medidas do governo alemão consiste em dar autoridade policial a qualquer órgão regulador, como a vigilância sanitária, por exemplo, para fechar restaurantes e hotéis que recebam algum evento ligado a pessoas tachadas como extremistas.
O pacote de leis também fala em fomentar investigações financeiras conduzidas pelo Escritório Federal de Proteção à Constituição contra pessoas, partidos, empresas e organizações acusados de ser da extrema-direita e, a partir disso, pressionar os bancos privados a cooperarem com o estado.
Como ainda há limites legais relacionados a sigilo bancário, permitindo apenas que haja quebra de sigilo e congelamento de contas em casos de crimes de ódio violentos, ou seja, crimes de verdade, a nova lei será alterada de tal forma que dependa apenas do que o ministério do interior chama de “potencial de perigo” para destruir a vida financeira de alguém. A lei também determina que todos os procedimentos devem ser rápidos e menos burocráticos.
A nova lei contempla também medidas para impedir que cidadão alemães saiam do país, tenham passaporte confiscado ou cancelado e também negar a entrada no país de estrangeiros culpados de serem de direita.
Também haverá a criação de uma central, vinculada à Delegacia Federal de Polícia Criminal, apenas para receber denúncias de conteúdo de “extrema direita” na Internet com autoridade para exigir a remoção dos conteúdos sem necessidade de ordem judicial. Uma aberração arbitrária em nome da democracia.
Ainda há artigos a demissão de funcionários público sem necessidade processo administrativo, bastando a polícia o coloque numa lista pessoa “potencialmente perigosa à democracia” seja por participar de uma manifestação ou por seguir perfis em redes sociais considerados “extremistas”.
O governo alemão já monitora cidadãos com base em declarações em redes sociais, livros comprados na Amazon e histórico de navegação na internet, violando qualquer direito a privacidade e destruindo a vida de pessoas com base em “crimes futuros”, algo só comparável ao enredo de distopias como Minority Report (Philip K. Dick) ou a episódios da própria história alemã que, ironicamente, é o que o atual governo quer “prevenir que volte a acontecer”.
Segundo uma matéria da filial alemã da BBC, os serviços de inteligência da Alemanha afirmam que mais de 38.000 cidadãos alemães já são reconhecidos oficialmente pelo governo como extremistas de direita, e destes, cerca de 14.000 são definidos como “potencialmente perigosos”.
A nova lei também autoriza o estado a desarmar estes cidadãos e proibi-los até de comprar arco e flecha sem autorização prévia.
Por fim, o governo também irá promover campanhas contra a direita “extremista” na TV, rádio, redes sociais, escolas, hospitais e até em centros de convivência de terceira idade e associações rurais. Também ira liberar milhões de Euros para clubes de futebol que reforcem as medidas do governo em ações promocionais dos clubes junto ás torcidas, uma espécie de incentivo a um hooliganismo do “bem”.
A cereja do bolo é criação de um centro de apoio aos “democratas sob ataque”, que, resumidamente, será uma estrutura governamental para blindar políticos de críticas, classificando como extremista jornalistas, influencers ou qualquer cidadão que chame um esquerdista do que ele realmente e diga que o governo alemão age exatamente igual aos nazistas que ele jura combater.
A lei entrará em vigor no dia 1º de abril de 2024, se o tribunal constitucional não se opuser. O que, provavelmente, não ocorrerá.
A Alemanha é a locomotiva da União Europeia, e não vai levar muito tempo para que esse modelo de legislação – que tem a única finalidade de perpetuar a esquerda no poder – chegue aos demais países do bloco, seja pelo deslumbramento dos países com economias mais dependentes, como Portugal, Espanha, Itália, Romênia, Croácia e Grécia, por exemplo, que culturalmente tendem a ver a Alemanha como paradigma de desenvolvimento e bom funcionamento estatal, ou seja também por pressão da própria Alemanha no parlamento europeu sediado em Bruxelas, que pode transformar a experiência alemã em diretriz obrigatória para toda a união.
A maior vitória da Alemanha acontecerá se, a curto prazo, ela conseguir desestabilizar o apoio popular aos partidos da nova direita europeia que crescem exponencialmente, como ocorreu esta semana nas eleições portuguesas, a ponto de impedir uma virada de mesa da direita nas eleições para o parlamento europeu que ocorrerá em junho.
Desnecessário dizer que é questão de tempo também para que a experiência alemã de transformar a “defesa da democracia” em política de estado seja saudada como grande exemplo a ser seguido por nossa elite, começando sempre pelos think tanks e coletivos, e em seguida por nossos juristas, depois pela grande mídia e pelos políticos, sempre com aquela mão amiga das fundações e dos bilionários, que amam o verniz de avanço e civilidade que a barbárie europeia consegue passar em suas teorias totalitárias, verdadeiros rolos compressores a serviço da concentração de poder dos donos do estado, esmagando a individualidade e o livre pensamento.
— Brás Oscar é colunista e apresentador do BSM. Autor do livro O Mínimo sobre a Queda da Europa.
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