ARTIGO DE OPINIÃO

A boa economia é valorizar o que é bom

Paulo Kogos · 22 de Janeiro de 2024 às 15:30 ·

Se antes os sofistas mataram Sócrates, hoje eles estão matando a maiêutica (capacidade de parir ideias) na mente da população. Se nos voltarmos, contudo, aos autores da sólida tradição ocidental, constatamos que a economia é um ramo da ética.

Os liberais brasileiros reduzem todas às questões à economia, negligenciando a profundidade antropológica do homem e, consequentemente, considerações morais basilares para o sucesso de uma sociedade. Acabam por defender uma economia política tão deturpada que depõe contra a mesma liberdade econômica que dizem defender. Já os conservadores, apesar da boa intenção de defender bons valores, desprezam demais a dimensão econômica para lograr êxito em alimentar os famintos, dar de beber aos sedentos, abrigar os desabrigados e vestir os despidos.

Para a esquerda (tanto aquela assumida quanto os liberais), a economia consiste em uma série de leis empíricas análogas àquelas das ciências exatas. O objetivo desta falsa epistemologia é alienar as pessoas comuns deste debate, induzindo-as a aceitar sem questionar o economês ilógico porém rebuscado de charlatães conhecidos como especialistas. Se antes os sofistas mataram Sócrates, hoje eles estão matando a maiêutica (capacidade de parir ideias) na mente da população. Se nos voltarmos, contudo, aos autores da sólida tradição ocidental, constatamos que a economia é um ramo da ética.

Sim, o seu professor de econometria da faculdade terá uma síncope ao ler isto, mas faz muito mais sentido que um aluno de economia estude as virtudes cardinais em Santo Tomás de Aquino que cálculo diferencial ou estatística. Segundo Hugo de São Vitor, são três os grandes ramos das as ciências práticas (aquelas cuja finalidade é a retidão da ação). O primeiro é a ética pessoal, voltada para a restauração do indivíduo. O terceiro é a política, voltada para a restauração do bem comum. O segundo é a economia, que faz a ligação entre o indivíduo e o bem da comunidade dos homens através das virtudes na administração das instituições intermediárias, como o lar, o clã, a empresa e os contratos.

A ética é princípio e fim da prosperidade econômica pois a causa eficiente desta é a prudência dos indivíduos em bem escolher aquilo que deve ser valorizado como meio, enquanto a causa final são as virtudes teologais que levam o indivíduo a empregar os bens materiais como meios para a vida virtuosa e feliz. Virtudes e valores são também constitutivos da prosperidade de uma civilização, já que esta tem como causa formal a justiça (virtude que regula a posse das coisas) exercida no âmbito das instituições políticas e como causa material as virtudes intelectuais de domínio das técnicas e ciências poiéticas (aquelas cuja finalidade é o resultado da ação) exercidas no âmbito das instituições econômicas. A produção de valor, portanto, se define dentro dos ditames do direito natural, afinal a ação econômica não é eficaz sem a propriedade privada aferida pela noção do justo, e se concretiza e à luz das diversas ciências e artes envolvidas.

Muitos economistas alegam que a ciência econômica é isenta de juízo de valor, mas ela não teria, se fosse o caso, poder explicativo a respeito de erros e acertos econômicos. Quando a inflação, os juros subsidiados, os controles estatais e a discricionariedade tributária distorcem os preços relativos, os efeitos deletérios na economia ocorrem principalmente por levar investidores e empreendedores a calcular erroneamente o valor dos bens de capital. Muito pior, contudo, é quando a má valoração decorre de vícios morais. Um povo que valoriza suas boas tradições, a alta cultura e os bens de mais longo prazo certamente será mais próspero que um povo que prefere o entretenimento de massa e a satisfação imediata de seus apetites concupiscentes.

O valor das coisas não está, como pregam os marxistas, na quantidade de trabalho despendida para sua produção; tampouco é algo puramente subjetivo, embora seja o valor subjetivo que motive a ação econômica de um agente. Santo Agostinho explica que o uso da razão permite contemplar o valor intrínseco das coisas na escala da criação. Saber o lugar de cada coisa nesta hierarquia é precisamente a sabedoria, um dom que, conforme lemos em Eclesiastes VII, é bom como uma herança, nos protege como o dinheiro e dá vida aos que o possuem. As analogias econômicas que o Espírito Santo, falando através de Salomão, emprega para tratar da sabedoria, nos leva a concluir que não existe sólida economia sem sapiência na valoração.

Uma economia prospera quando as pessoas apresentam baixa preferência temporal, ou seja, quando estão mais dispostas a abdicar de consumos presentes para obter bens melhores no futuro. Trata-se da conduta poupadora recomendada, em Gênesis XLI, por José do Egito que garantiu ao país a poupança para sobreviver aos sete anos de miséria que se seguiram aos sete anos de abundância. Já em São Mateus VI somos aconselhados a poupar tesouros no Céu, onde não se perdem. Ora, trabalhar pelo enriquecimento da alma almejando a vida eterna é o ápice da sapiência na valoração. Para tanto, é preciso agir eticamente, afinal a causa final da ação ética não são produtos passageiros mas o hábito virtuoso na alma.

Interessantemente, a sólida ciência econômica explica que uma sociedade que busque primeiro o Reino de Deus e Sua justiça, terá todo o mais lhe dado por acréscimo. Além de dispor de mais recursos materiais poupados, ela apresentará menos custos de vigilância, processos judiciais, produtos defeituosos ou viciados ou desperdício de energia produtiva com preguiça e lascívia. Os contratos se tornam mais simples e objetivos diminuindo os custos de transação das partes, os serviços são prestados com boa vontade, acrescentando mais valor à economia, e a caridade cria oportunidades aos menos favorecidos sem os riscos morais inerentes à redistribuição coercitiva.

Até mesmo quando lidamos com uma instituição projetada para roubo, como as democracias modernas, temos na moralidade uma salvaguarda. De Platão ao economista político Hans Hoppe, a tradição intelectual ocidental demonstra que o voto democrático é um incentivo ao acúmulo de poder por demagogos que prometem distribuir aos seus currais  benesses subtraídas dos delicados mecanismos de mercado. Pessoas honestas e instruídas são desencorajadas a votar, pois não fazem parte de grupos de lobby e sabem que, como indivíduos, terão seus votos diluídos na massa. A saída, contudo, continua sendo a moralidade. Se essas pessoas boas se imbuem-se de um senso de dever e votam, é possível que atinjam uma massa crítica para reduzir o dano causado pelos votos daqueles sugestionados pelas promessas ideológicas.

Xenofonte já notou que as virtudes de um povo pesam muito mais que a presença de recursos no seu desempenho econômico. Este não é uma consequência esotérico de uma mão invisível, mas sim das habilidades, talentos, coragem, conhecimento e inspiração de cada agente empreendedor. Assim, é fácil perceber que a mais fundamental de uma economia política bem sucedida é a sabedoria prática, aquela que une a reta intenção com a virtude da prudência no que tange às escolhas morais. Saber valorizar o que tem valor é o alicerce e a razão de ser da ciência econômica.

 


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